Editorial |
Elvis : O Mito e o Mito. –
Por Sergio Luiz
Ser fã de Elvis, especialmente no
Brasil, é uma coisa complicada.
A desinformação, ironicamente
gerada por aqueles que deviam informar, acabou criando uma avalanche de mitos,
histórias sem pé nem cabeça, lendas urbanas e um mito grotesco e distante da
realidade.
Parece ser o consenso da “crítica
especializada” que Elvis teve três fases distintas: Os anos 50, os anos 50 e por
fim os anos 50. O pouco que se fala de Elvis musicalmente, restringe-se a sua
explosão inicial no cenário da música e tudo o que vem depois é denotado de
maneira depreciativa.
Já quando se fala de Elvis, o
homem, ai a coisa é diferente e o interesse passa a ser nos anos finais e quanto
mais adjetivos pejorativos puderem ser colocados em uma sentença, melhor. Posso
contar nos dedos quantas matérias feitas sobre a vida de Elvis não usaram as
expressões “gordo” e “decadente” para exemplificar sua fase
final.
Nem sempre foi assim. Antes de sua morte, as revistas e publicações populares tinham um tom muito diferente e muito mais amigável. A revista Manchete publicou em 1975 uma matéria sobre a nova temporada de Elvis em Vegas, intitulada "O Pai Do Rock Chega Aos Quarenta". E nela dizia:
"É mais um ano na fantástica carreira deste astro que seduziu as garotas da década de 50, e 20 anos depois, seduz suas filhas"
Alguns anos antes, publicara uma
matéria sobre o lançamento do filme Thats The Way It Is, onde dizia que Elvis
era “Rei do Rock, Pai Dos Beatles” e que ele era muito maior que o
quarteto.
Mas então como as publicações e a
crítica especializada mudaram de tom? Como a imagem de Elvis no Brasil ( e no mundo, mas não nos cabe aqui
analisar) tomou essa guinada tão radical? A resposta é simples, mas não é uma
só.
Basicamente podemos dizer que os
responsáveis são duas publicações , intituladas “Elvis” de Albert Goldman e
“Elvis, What Happened?” dos irmãos West. Recheadas de sensacionalismo, exagero,
factoídes e de gosto duvidoso,
ambas incitaram a fleuma dos fãs de Elvis no mundo inteiro e ambas caíram nas
graças da imprensa, que percebeu nos livros uma oportunidade de fazer dinheiro.
O outro culpado é a velha máxima da mídia, infeliz realidade: “Falar mal vende
bem. Muito bem.”
Some a isso à insaciável curiosidade do público em geral em saber de todos os pormenores da vida dos considerados “ famosos”, do prazer de muitos em saber que o objeto de admiração não é perfeito ( numa tentativa de balancear o sentimento de inferioridade inerente e inconsciente) e que o mesmo possui detalhes íntimos tão sórdidos quanto os seus, e está feita a receita para a criação do novo mito.
Os criminosos:
Sensacionalistas, inverossímeis e adorados pela
mídia
Também não ajudou em nada, o fato
de que muitos fãs compraram este mito.
É claro que com Elvis não podia
ser diferente. A imagem (errônea) de ídolo perfeito, imaculada e sem vícios era
alvo imóvel e prato cheio para a imprensa marrom.
Mas quanto disso é verdade? Era
Elvis Presley um ídolo caído em seus últimos anos?
A resposta é não. Mas convencer o
público geral e alguns “estudiosos” parece ser uma tarefa
ingrata.
Para muitos, Elvis estava num
estado de torpor tão grande, que seria impossível fazer uma boa performance. As
drogas o tinham consumido de tal forma que perdera sua voz, e por isso sua
última sessão de gravação em 1976, tinha sido uma experiência melancólica. Seus
inúmeros problemas de saúde e o vício, o fizeram-no apresentar-se de fraldas.
Seus fãs o abandonaram, e nos últimos anos Elvis fazia shows para 2000
pessoas...
Elvis estava destruído. Incapaz. Doente.
Dizer que sua decadência não
começou após o Aloha From Hawaii, ou que Elvis fez ótimos shows e gravações nos
últimos anos, é virar alvo de ataques sob a alcunha de
“fanático”.
Mas o fato é que essa descrição de
Elvis, perpetuada pela mídia e por alguns “entendidos”, está longe da
realidade.
É fato que Presley entrou num
círculo vicioso de remédios que somado a seus problemas de saúde, o
debilitaram tanto fisica quanto mentalmente, culminado com sua morte
prematura.
É fato também que o abuso de
medicamentos o levou a um extraordinário aumento de peso e também não se pode
negar que esses fatores criaram diversas situações onde o artista não pode levar
o show adiante, resultando em performances pobres. Não se pode negar a
existência de shows embaraçosos como o de Maryland em 1974 ou Macon em 1976 e
tampouco tantos outros shows medíocres como Hampton Roads e Houston em 1976,
entre outros.
Mas fechar os olhos para a vasta
quantidade de shows de boa qualidade disponíveis tanto oficialmente quanto por
selos piratas é negar o obvio.
Mesmo dentro do período
considerado como “decadente” é possível achar várias performances excelentes.
Claramente, o número de CDs contendo performances boas/ótimas é muito superior
ao número de lançamentos contendo shows ruins/péssimos.
Não obstante as provas
fonográficas, temos também as visuais/documentais.
É fato que Elvis teve um aumento
espantoso de peso, especialmente nos dois últimos anos, mas é preciso entender
que essa condição não foi uma constante e ao contrário da lenda, Elvis teve
períodos de boa saúde nos últimos anos.
Elvis, em bons momentos de 1976-1977
Jerry Scheff, baixista de Elvis
entre
(...) algumas
pessoas envolvidas me contaram histórias de Elvis no palco e eu juro que não me
lembro das coisas serem tão ruins como dizem.
Outra grande falácia que se
entranhou ainda mais no meio “Elvis” é o conceito de que as sessões em Graceland
foram péssimas porque além do péssimo estado físico de Elvis, o mesmo estava mal
humorado, intransigente, desconectado, desinteressado e que sua voz lhe
faltava.
O lançamento do CD Jungle Room
Sessions, pela FTD, veio para destruir este mito e pela primeira vez, pudemos
olhar (ou nesse caso ouvir) por detrás da cortina de fumaça e finalmente
perceber o quão errada estava a lenda.
Na mesma entrevista, Jerry
comentou sobre as famosas sessões em Graceland:
“Alguns dos meus momentos favoritos com Elvis são desta sessão. Ele estava bastante comprometido com as canções que queria gravar(...) música de qualidade foi criada na Jungle Room.
As sessões na Jungle
Room foram especiais porque na maior parte do tempo Elvis estava feliz e
brincando muito, o que fez com que todos ficassem de bom
humor.
Para aqueles
que aceitam a realidade e colocam de lado suas noções de fanatismo e soberba,
este mito pode ser finalmente enterrado.
É tarefa
árdua, entretanto, mudar esse conceito perante a mídia e a crítica dita
“especializada”. Talvez, e diria muito provavelmente, nunca conseguiremos. Mas
podemos mudar o conceito dentro de nossa comunidade, através de ações como esta,
manifestadas neste artigo.
Mas
principalmente, através da disseminação de informação de qualidade, embasada em
obras fundamentadas em dados e não em “achismos”, e da divulgação de dados
coerentes nessa grande ferramenta chamada Internet. É imprescindível, acima de
tudo, discernimento e conhecimento.
Lutar contra
esses mitos, pode a princípio, parecer um trabalho de fanatismo. Mas é um
trabalho feito não por Elvis, a lenda, ou para seus fãs. Mas sim para o
reconhecimento justo de um grande artista, ser humano ( com toda sua coleção de
defeitos) e figura cultural de século 20.
Sergio Luiz Fiça
Biston, Abril de 2006
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